Um homem que deu entrada no serviço de urgência de otorrinolaringologia do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, com um quadro de “dor, comichão e uma hemorragia na orelha esquerda” tinha, afinal, o canal auditivo infestado por larvas carnívoras, da ordem diptera. O caso, apelidado de miíase auricular ou aural, aconteceu “há quase dois anos”, mas só agora foi publicado na revista médica “New England Journal of Medicine”.
“Tratou-se de um doente residente no Grande Porto que veio com queixas, como eu diria em termos médicos, com otorragias, que é, no fundo, deitar sangue pelo ouvido. Ele não se tinha ainda apercebido da saída de corpos estranhos que seriam as larvas”, começou por explicar ao “Jornal de Notícias” a médica especialista em otorrinolaringologia e coautora do artigo, Catarina Rato.
Segundo o artigo que foi publicado no mês passado, assinado também pelo médico Gustavo Lopes, o homem “de uma comunidade rural” e com 64 anos tinha, há já cinco dias, um quadro de “dor, comichão e uma hemorragia na orelha esquerda” quando decidiu ir pelo seu próprio pé às urgências. Lá, o diagnóstico foi surpreendente.
“Quando olhamos, vimos logo que no canal auditivo existiam vários bichos. Uma vez que o tratamento destas coisas tem de ser por limpeza, de imediato, procedemos à aspiração e depois constatamos que, ao contrário do que já se escreveu, o senhor já teria uma perfuração do tímpano e que não teria sido provocada pelas larvas. Isto porque os doentes que têm patologia crónica do ouvido já são propensos a ter estas coisas porque há um ambiente de humidade que atrai as moscas para ali”, esclareceu a médica.
Catarina Rato desconhece quais eram as condições socioeconómicas e sanitárias no domicílio do doente, que seria autónomo. “Certamente, não seriam as melhores”, adivinha. Quando foi inquirido, o homem recordava-se que, dias antes, lhe teria entrado uma mosca para o ouvido. “Ao que tudo indica, o inseto terá sido atraído por aquele ambiente húmido, deixou lá os ovos e depois aquilo procriou”, detalhou a especialista, ressalvando que o caso é “raro e invulgar”. “Por isso é que filmamos e não dissemos nada até ser agora publicado”, acrescentou.
“Como são doentes que têm otite crónica, já costumam ter várias vezes o ouvido húmido e sensações diferentes. Talvez, por isso, o senhor não tenha valorizado logo a situação. Aquilo não dá dor significativa, dá mais incómodo, sensação de ouvido tapado, prurido, comichão e dá alguma dor, mas que não é super intensa”, salientou.
Para remover os vermes, os profissionais de saúde recorreram a um aspirador e a fórceps. O canal auditivo teve de ser também irrigado para que se expelisse quaisquer organismos remanescentes.
O paciente foi, posteriormente, tratado com gotas auriculares, para prevenir a infeção bacteriana, e encaminhado ao serviço de otorrinolaringologia para possível timpanoplastia, para correção da membrana timpânica. “Sete dias depois, os sintomas desapareceram, tendo o senhor sido referenciado para consulta”, concluiu a médica, atualmente a trabalhar no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Créditos: JN
TVSH 2022